segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

CAP. IX - Os Borgato

Ricardo Borgato era um homem de negócios rico, sério e viúvo. Tinha duas filhas, a mais velha de 15 anos e a mais nova de 10. Sua esposa morrera dando à luz a menina caçula, Raíssa.
Raíssa sempre fora a rebelde da família, vivia arrumando brigas na escola. Se comportava como um gato selvagem. Reclamava ferinamente que o pai não tinha tempo para ela, fazia escândalos sem sentido e , no final, prometia à irmã e ao primo que iria emendar-se. Mas isso nunca aconteceria.
O seu primo, sobrinho de Ricardo, por sua vez era o gênio da família. Chamava-se Diogo. Seus pais haviam morrido num acidente de trânsito quando ele tinha apenas três anos de idade. Desde então vivia com o tio e as primas. Ricardo tinha muito orgulho do sobrinho e o tratava como "o filho homem que nunca tivera", dizendo frequentemente que ele honrava o nome da família e que herdaria os seus negóciosna empresa em que trabalhava.
Já Renata, a filha primogênita, parecia-se muito com a mãe. Gentil, bondosa e inteligente, possuía longos cabelos negros, pele muito alva e delicada e olhos castanho-esverdeados. Tinha uma paciência surpreendente para lidar com a irmã explosiva. Porém era muito tímida, retraída e insegura. Não tinha auto-estima nem auto-confiança. Seu pai lhe dizia com frequência que ela era o fracasso da família, dizendo preferir o temperamento difícil da mais nova ao jeito frágil dela.
- Preferia que tivesse nascido homem, mas já que não foi assim você poderia ser menos molenga. - lhe dizia Ricardo - Sua fragilidade é ridícula. Você envergonha essa família.
Renata sempre ouvia de cabeça baixa sem ousar responder. Mas por dentro ela se sentia idiota e fraca.
Naquela manhã ensolarada de fim de Janeiro, fora com Diogo, que era apenas alguns meses mais velho para a escola, deixara Raíssa na escola, mandou-a se comportar e não aborrecer os professores. Raíssa assentiu após algumas ameaças de Diogo. Chegando no colégio, Diogo foi abordado pela namorada Susana. Fazendo uma cara discreta de tédio ele se afastou da prima acenando sutilmente.
Esta rumou sozinha até a sala de aula. Uma garota de cabelos castanhos enrolados e longos passou correndo e esbarrou nela quase derrubando-a. A garota pediu desculpas brevemente e continuou seu caminho as pressas.Bem lá no fundo, Renata sentia vontade de xingar a garota, mas não conseguia dizer mais que um "Não foi nada" numa voz muito baixa. Era mesmo uma molenga como seu pai dizia.
Chegando na classe, ouviu Daniel cumprimentá-la com o rosto levemente corado.
- Oi, Renata!- disse ele acenando, animado.
- Oi... - respondeu ela timidamente.
- Parece que o professor da primeira aula faltou. Não é legal?- Vendo que a garota não responderia ele continuou. - Que tal tomarmos um sorvete na cantina?
- Desculpe, estou resfriada... - mentiu ela forçando um ataque de tosse fajuto. A verdade é que ela simplesmente morria de vergonha de sair com Daniel, mesmo que fosse só pra tomar um sorvete na cantina da escola.
- Ah, tá... - disse ela, meio desapontado, passando a mão na nuca - Quem sabe outro dia...
- É... - sorriu ela em resposta.
" Quem sabe..." pensava Renata.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

CAP. VIII - Aulas

Daniel ouvir o barulho irritante do despertador penetrar em seus sonhos às seis e quarenta.
- Desgraçado...
Jogou o despertador no chão com um golpe inconsciente. Alguns minutos depois se deu conta da burrada que fizera: o terceiro despertador desde que viera morar com sua tia avó, uma solteirona de cinquenta e poucos anos, naquele apartamento. Focalizou o horário no bom e velho relógio da parede e notou que estava atrasado. Tomou um copo de leite, escovou os dentes, mal lavou o rosto e deixou a cama por fazer. Jogou alguns livros na mochila surrada, vestiu a camisa da escola que sua tia passara no domingo a noite. Rick tocou a campainha chamando seu nome do outro lado da porta.
- Já vooooooou !
Daniel abre a porta, cumprimenta o amigo com um toque de mãos. Rick analisa Daniel da cabeça ao pés com um olhar incrédulo.
- Vai sair assim? - perguntou apontando para as calças de Daniel.
Só então o garoto se dá conta de que ainda está vestindo o calção branco com coraçõezinhos que usava para dormir.
- Ah, droga! - exclamou o garoto, correndo para dentro do apartamento.
Rick já estava acostumado às burrices e trapalhadas de Daniel. Eram amigos ele, Daniel e Rafa desde os oito anos de idade, e o loiro de olhos azuis sempre fora esse garoto risonho, atrapalhado e extrovertido - as vezes até demais. Mesmo assim, Daniel conseguia se superar no quesito surpreender, tanto que Rick teve um ataque de risos histérico até saírem pelo portão do prédio. Daniel desculpou-se:
- Acordei atrasado, cara. Esqueci que tinha aula hoje. Aliás, tenho que comprar outro despertador pra minha tia... Melhor comprar aqueles de cuco que fica pendurado na parede, mais difícil quebrar...
- Você é um palhaço, Daniel.
- Não é? - concordou ele rindo e passando a mão pela nuca.- Cadê o Rafa? Vai com a Sabrina?
- Não, ele ligou em casa e não vai na escola hoje. Acho que deu alguma coisa errada com o encontro de ontem.
- Pode crer... Vamos na casa dele depois da aula. Assim eu compro um despertador novo no caminho.
- Certo... Ei, aquele ali não o Alex?
- Ih, olha o cara, parece que ta de ressaca! - Daniel aproximou-se do amigo, rindo muito.
Alex estava parado em pé, com a cabeça encostada num ponto de ônibus. Parecia estar concentrado, pensando em algo muito importante. Porém os amigos já imaginavam que não era este o caso.
- Não acredito que o babaca ta dormindo em pé... como eu digo, as pessoas se superam no quesito surpreender... - disse Rick sacudindo Alex - Acorda, cara.
- Ahn? - murmurou Alex, meio atordoado.
- ACORDA, ALEX! - berrou Daniel, escandaloso como sempre.
Alex despertou num salto.
- Tu tava dormindo em pé? - perguntou Rick, como se já não soubesse o óbvio.
- Sei lá... - respondeu o garoto sonolento dando um longo bocejo - Nem lembro.
Alex era um garoto meio bronzeado de cabelos castanho escuros, com cara da índio. Tinha grandes olhos negros e um brinco na orelha esquerda. Era um preguiçoso, é verdade, vivia dormindo durante as aulas. Mas seus amigos sabiam que por trás daquele dorminhoco, havia um menino muito inteligente, que bolava as melhores táticas e estratégias durante os jogos de futebol. Assim como Rafa, Daniel e Rick, Alex estava no time de futebol do colégio, e era conhecido durante as competições como "o Estrategista". Mas fora delas ele era "o Preguiçoso" mesmo.
Ao chegarem na sala de aula, Rick localizou rapidamente a irmã e suas amigas. Enquanto lutava num dilema interno, entre falar ou não com Gabriela, Daniel sentou-se ao lado de Alex dando longo suspiro de cansaço. Alex deitou a cabeça sobre a mochila resmungando:
- Aulas... são um saco. - começou a cochilar no mesmo instante.
" Nunca foram ditas palavras mais verdadeiras." pensou Daniel.
Porém seus olhos mantinham vigília constante na porta da sala de aula, esperando por ela.
FIM DO CAPÍTULO VIII

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

CAP. VII - Íris

"Ela é rainha da volta às aulas
Ela é a estrela na cena
Não há como negar que ela é adorável
Pele perfeita, cabelo perfeito
Corações perfumados por todos os lados."
Saving Jane - Girl Next Door


Era o primeiro dia de aula, e ela estava pronta para arrasar. Queria estar linda. Seus cabelos caíam em cascata até a sua cintura, seus olhos azuis se destacavam cheios de maquilagem em sua face alva.
- Perfeita! - disse Íris para seu próprio reflexo no espelho.
Íris era aquele tipo de garota que poderia ser chamada de Rainha da Volta às Aulas. Estava ansiosa para retornar à escola. Não que se importasse muito com os estudos. Simplesmente, jogaria charme nos meninos e causaria inveja nas meninas. Ah, claro, Íris era uma garota de quinze anos, fútil e vaidosa, além de ter sido mimada pela mãe e pela irmã mais velha, desde que perdera seu pai, aos doze anos. Daniela, a mãe, era florista, e não ganhava muito, mas sempre que podia atendia aos pedidos da filha. Isabel, a irmã, tinha um salão de beleza que estava dando muito lucro, e toda vez que sua mãe não cedia a insistência de Íris, ela própria atendia à irmã caçula.
O grande sonho de Íris era o de ser uma modelo famosa, ou uma consultora de moda, ganhar muito dinheiro e comprar uma casa nova para a mãe viúva e a irmã, já noiva há dois anos. Apesar do jeito "fresco" e da personalidade forte, Íris também tinha algumas qualidades como a criatividade, que estava sempre a seu favor, auxiliando nos trabalhos escolares para compensar as notas baixas nas provas. Além disso, sempre foi uma ótima amiga, sempre presente nas horas boas e ruins.
A buzina de uma moto soou alto do lado de fora da casa. Isabel berrou:
- Vai querer carona?
- Não, vou com a Sara. - berrou Íris em resposta, sem se preocupar em agradecer a irmã.
Já estava sozinha em casa, terminando de se arrumar, quando Sara chamou por ela do portão. Apressou-se, pegou os cadernos e a grande bolsa roxa, saiu e trancou a porta.
- E então? Como estou? - perguntou a loira animada, dando uma voltinha.
- Metida como sempre. - respondeu Sara com um sorriso que não escondia a tristeza em seu olhar.
- O que aconteceu? - perguntou Íris já notando algo errado.
- Nada, nada... - suspirou Sara sacudindo a cabeça - Vamos buscar a Gabi?
- Tá... a Renata não vai com a gente?
- Não, ela vai com o primo dela.
- Ok...
Foram conversando até a casa de Gabi - na verdade Íris falava sozinha enquanto Sara andava meio calada - até chegarem em poucos minutos à residência dos Gimenez. Uma ruiva saiu pelo portão se despedindo da mãe. Seu olhar estava visivelmente cansado com olheiras sob os olhos azuis.
- E aí, Gabizinha, ficou na balada até tarde ontem? - perguntou Íris.
- Noite difícil... - respondeu a ruiva vagamente.
- Entendo.. Parece que você não mudou nada essas férias, hein? Nem cogitou seguir minhas dicas de moda? - desdenhou a loira examinando as roupas da garota.
- Ah, Íris, eu curto é me vestir assim, pô.
Gabi estava com a mochila cinza, cheia de alfinetes, atravessada nas costas, uma bermuda larga, com um tênis rasgado, uma touca preta na cabeleira ruiva, a camisa da escola um pouco colada ao corpo e um piercing no nariz.
- Fazer o que... - suspirou Íris.
Gabriela lhe mostrou a língua, onde havia outro piercing, e seguiram juntas para a escola. O contraste entre a aparência de Íris e Gabi era inevitável, porém seus temperamentos eram muito parecidos: estavam constantemente agitadas, tinham uma boca grande, e eram também muito explosivas. Mas o importante era que estavam sempre unidas, como as amigas que eram desde a infância.
Chegaram ao colégio apinhado de alunos, pararam ao portão.
- E então, é isso aí. - disse Íris marchando para dentro do colégio.
- Mais um ano letivo, que saco.. - Gabi resmungou um palavrão coçando a cabeça e entrando também pelo portão.
Sara simplesmente suspirou e imitou as amigas adentrando a escola.
FIM DO CAPÍTULO VII

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

CAP.VI - Amor Platônico

Sara parece estar tão triste
Não vê caminhos e nem estradas pra seguir
Mas quem sabe um dia ela volte a sorrir
Pois a vida dá voltas e não há como fugir."
Dinamite Joe - Sara


Sara se despediu do irmão que estava largado no sofá da sala de estar. Este resmungou um "tchau" quase ininteligível e acenou meio sem vontade. A garota tinha certeza que em poucos minutos ele estaria dormindo de novo e sua mãe teria de acordá-lo mais uma vez, ou ele faltaria à aula.
Abriu a porta, uma brisa gélida do amanhecer atingiu sua face. Desceu as escadas com a bolsa vermelha nas costas, virou o quarteirão, dirigindo-se à casa de sua amiga Íris.
Sara era o tipo de menina correta, aquela que deixa seus pais orgulhosos com se boletim no final do ano. Sempre tirava boas notas, era crítica e falava tudo o que pensava, e odiava estar atrasada. Participava de todos os projetos escolares, sejam eles sociais, ambientais, ou apenas clubes de poesia ou organização de festas e bailes. Enfim tinha uma vida razoavelmente boa e um futuro promissor pela frente. Mas os assuntos do seu coração eram deixados de lado e não iam nada bem.
Há anos se apaixonara por aquele rapaz, mas ele sequer a notava. Um cara popular da escola, comprometido com oura garota tão popular quanto ele, como ele teria coragem de dizer o que sentia? Era um verdadeiro dilema... O problema era que ela estava fadada a vê-lo todos os dias na escola, já que estavam na mesma sala. Já fazia tanto tempo que ela sofria com isso, o via sempre na sala de aula, ele até apareciam com frequência em sua casa para sair com Rick e seus amigos, e tudo que ela podia fazer era olhar e se amaldiçoar por gostar de alguém que estava tão perto mas ao mesmo tão distante.

Eu sei de todas as suas tristezas
E alegrias
Mas você nada sabe
Nem da minha fraqueza
Nem da minha covardia
Nem sequer que eu existo
Amor Platônico - Legião Urbana


Não se tratava de um amor não-correspondido, pois ele sequer sabia de seu sentimento por ele. Vai ver ele nem sabia seu nome. Era mesmo um amor platônico, impossível de se realizar. E agora, com o novo ano letivo prestes a começar, Sara iria recomeçar toda aquela sina, de ver o amado com outra, sem poder revelar seu sentimento secreto, do qual só suas melhores amigas sabiam.
Mas o que Sara não esperava é que esse novo ano letivo reservaria muitas surpresas para seu coração.
FIM DO CAPÍTULO VI

domingo, 1 de novembro de 2009

CAP V - Olhos Azuis

" Os olhos mais azuis de todos
Estão me caçando esta noite
Como as estrelas que enchem o céu da meia noite
As lembranças dela enchem a minha mente
Onde eu errei? "
The Bluest Eyes - Nina Persson


- Henrique, acorda logo.
Alguém sacudiu suas cobertas, mas ele não se deu ao trabalho nem de abrir os olhos. Não queria acordar daquele sonho tão bom...
Em seu sonho, ele estava acompanhado de uma linda garota ruiva, de olhos azuis como o céu. Estavam bem próximos, podiam sentir a respiração um do outro, as batidas de seus corações tocavam juntas, compondo a mesma melodia. Estava prestes a beijá-la quando um travesseiro o atingiu com violência no rosto.
- Acorda, babaca!
Abriu os olhos viu que sua irmã, que não era tão delicada quanto sua mãe, estava em pé ao lado de sua cama. Já estava completamente vestida, os cabelos claros cor-de-mel bem penteados, calça jeans e a camisa da escola bem passadas, os olhos verdes fuzilando-o.
- Esqueceu que a gente tem aula daqui a pouco, infeliz?
- Pra que tanta agressividade? - perguntou Henrique entre dentes - Além do mais, eu já ia acordar, Sara.
"Era só esperar o meu sonho acabar... " ficou lá mergulhado nas lembranças daquele doce sonho, tão interessante, quando outra travesseirada acertou sua nuca, com ainda mais violência que a última pancada.
- AI! - exclamou Henrique.
- Anda logo ! - insistiu Sara, impaciente.
- Não sabe esperar? - indagou furiosamente , passando a mão pela nuca, que estava pelando. Resmungou algumas injúrias como "Garota estressadinha" e "Vou contar pra mamãe" e mandou-a sair para que pudesse trocar de roupa.

Ficou pronto em poucos minutos, comeu um pedaço de pão, foi escovar os dentes. Se olhou no espelho, passou uma água nos cabelos negros tingidos, espetando-os. Se imaginou jogando um charme em Gabi. Ridículo. Não queria pensar naquilo. Preferia deixar o papel de palhaço para seu amigo, Daniel.
Henrique, Rick para os amigos, era um rapaz bonito, alto, até um pouco forte. Herdara bonitos olhos verdes da família, bem como os cabelos claros que ele insistia em pintar de preto. Apesar de sua irmã, Sara, ser muito inteligente, Rick era um pouco burro. Repetira a sétima série, razão pela qual ele cairia na mesma classe que sua irmã, um ano mais nova. Agora, procurava estudar em dobro, para não dar mancada e não repetir de ano outra vez, o que fazia dele um aluno razoável. Se olhou no espelho, o piercing na sobrancelha lhe doía graças a pancada de Sara. " Nervosinha", pensava consigo mesmo.
- Rick! - chamou Sara, da cozinha.
- Que fooooi? - perguntou ele, já meio irritado.
- O Rafael ligou e disse que não vai pra escola hoje!
- Por que? - indagou meio surpreso. Faltar no primeiro dia de aula era algo que só acontecia quando um aluno estava acometido de alguma doença grave como dengue ou catapora.
- E eu sei lá! - respondeu Sara, mais mau-humorada que de costume.
Rick pensou em perguntar se ela estava de TPM, porém impediu-se à tempo. Não queria apanhar pela terceira vez naquele dia. "Mulheres são perigosas", pensou assombrado. Sara despediu-se do irmão, falou que encontraria Íris no caminho para a escola. Rick aproveitou a ausência da irmã e deitou-se no sofá, meio estirado, esperou dar a hora para ir chamar Daniel na rua de trás.
Enquanto isso, devaneava com o melhor de seus sonhos, onde sua musa era aquela belha garota de olhos azuis.
FIM DO CAPÍTULO V

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

CAP. IV - Insônia

"Meus olhos podem ver você mas eles não enxergam
Perdido no relógio um segundo que não quer passar
O travesseiro acorda e ri enquanto eu conto os dedos
E os cabelos que arranquei de tanto desejar."
Insônia - Capital Inicial


A aula começaria apenas às sete horas. Olhou no relógio no visor do celular: cinco e meia da manhã. Fez as contas. Já faziam três horas que estava acordada.
Gabriela ligou a televisão, o volume no mínimo para não acordar a mãe. Sentia-se abatida, mas não conseguia dormir. Após a briga que seus pais tiveram na noite anterior, ficara perturbada. Dormira por algum tempo, mas a insônia, a maldita traiçoeira, se arrastava até a sua cama, lhe fazia dar voltas sem sentido em torno do quarto.
Desde que a crise entre os pais começara, as noites viravam longos dias para Gabi, que achava que essa tormenta nunca acabaria. E agora que retornaria as aulas, a maldita insônia a atrapalharia nos estudos. Sacudiu a cabeça, tentando afastar os maus pensamentos, decidiu subir e trocar de roupa para ir à escola.
A mãe, Mercedes, agora dormia profundamente . O pai, Demétrio, só Deus sabia onde passara a noite. Dormindo, o rosto de sua mãe se encontrava totalmente em paz, como se não existissem brigas e nem conflitos. Pena que Gabi não podia fazer o mesmo.
Olhou-se no espelho, os olhos azuis estavam sonolentos, emoldurados por profundas olheiras. O cabelo ruivo, um pouco encaracolado, estava todo espatifado. Se achou engraçada. Seus lábios esboçaram um sorriso que iluminou o rosto sardento. Sorrir. Isso já era suficiente para esquecer os problemas familiares e os conflitos que ainda estavam por vir.
FIM DO CAPÍTULO IV

terça-feira, 27 de outubro de 2009

CAP. III - Despedidas

"Depois de tudo que você me fez passar
Você imaginou que eu o menosprezaria
Mas no fim, eu quero lhe agradecer
Porque você me fez muito mais forte."
Fighter - Christina Aguilera


O dia seguinte amanheceu ensolarado e quente, típico do mês de Janeiro. Ágata sentia-se ensolarada como o clima ao acordar. Resolvera deixar as mágoas secarem ao sol daquela linda manhã de verão. Chorara muito, mas agora já não lhe restava uma única lágrima. A vergonha,a tristeza, a raiva, tudo isso se fora como nuvens passageiras, deixando em seu lugar uma vontade de viver a vida e encarar o mundo como jamais fizera, de uma forma mais otimista, mais corajosa.


"Bem, eu achei que conhecia você
Pensando que você é verdadeiro
Eu acho que eu, eu não podia confiar
Acabou o tempo para suas baboseiras
Pois eu já tive o bastante
Você estava ao meu lado
Sempre pronto para o que viesse
Mas a sua jornada da felicidade pegou fogo
Pois sua ganância me vendeu na vergonha
Depois de todos os roubos e trapaças
Você deve achar que eu guardo ressentimentos de você
Mas, oh não, você está enganado
Pois se não fosse por tudo que você tentou fazer
Eu não saberia o quanto sou capaz de aguentar
E por isso quero dizer obrigada"


No fim das contas, tinha mais era que agradecer a Guilherme. Nunca soubera o quanto era forte, o quanto podia suportar... Mas agora era diferente. Ela podia sentir, após aquela noite de lágrimas, a força dentro de si, como jamais sentira antes.

"Pois isto me faz muito mais forte
Me faz trabalhar mais arduamente
Me faz muito mais sábia
Então obrigada por fazer de mim uma lutadora
Me fez aprender mais rápido
Fez minha pele um pouco mais espessa
Me faz muito mais esperta
Então obrigada por fazer de mim uma lutadora"


* * * * * * *

O almoço na casa de tia Rita foi bom na medida do possível. é claro que Rita xingou e amaldiçoou Guilherme até sua quinta geração assim que soube da desfeita que este fizera à sua sobrinha. Ágata não pode deixar de dar boas gargalhadas com as exclamações da tia.
- Cachorro, galinha! Esse é mesmo um safado que não merece o feijão que come! Excomungado duma figa...
- Calma, Rita. -interrompia Anésio, que considerava a hora da refeição sagrada e não gostava de discussões à mesa.
Rita resmungou por algum tempo, mas logo calou-se. Despediram-se todos ao fim da tarde, menos Anésio que despedira-se após o almoço e logo fora trabalhar.
- Adeus, irmãzinha. Que o Nosso Senhor do Bonfim te proteja, viste?- dizia Rita maternalmente à Vera Lúcia - E você, mocinha, se comporte bem e estude bastante, viu?
- Pode deixar tia - disse Ágata disciplentemente - Adeus, Rosinha. Venha me visitar qualquer dia, tá?
- Vou sentir saudades... - disse a menininha de cinco anos choramingando e abraçando a prima.
Ágata não pôde deixar de chorar também, mas sabia que, de alguma forma, sua vida estava prestes a mudar drasticamente assim que partisse pela manhã para o desconhecido.
A garotinha Rosa ficou à porta, soluçando, até que a imagem da tia e da prima se perdesse no horizonte.